sexta-feira, 27 de maio de 2011

Edição nº61





Crónica
Associação Megafone 5
Quando, em Janeiro de 2009, João Aguardela faleceu, não deixou exactamente uma obra, mas várias. Deixou todas as que se conhecem, sendo as mais visíveis e audíveis as que resultam da vida dos Sitiados, Megafone e A Naifa, mas deixou uma outra que raramente acorre à lembrança até dos mais atentos: a que não chegou a ser feita.

Por isso se juntaram diversas pessoas sob a designação Megafone 5. O projecto musical Megafone, com João Aguardela a solo a vestir músicas portuguesas oriundas de recolhas etnográficas com roupas electrónicas modernas, mais de sábado à noite do que domingueiras, deixou quatro álbuns gravados. O nosso trabalho seria o quinto disco simbólico, passe a imodéstia da ambição.

A Associação Megafone 5, não negando naturalmente a presença no seu código genético de uma vocação para a homenagem, nasce também do desejo de adivinhar o futuro. Nasce, entre amigos de João Aguardela e admiradores da forma como encarava e manuseava a música de raiz portuguesa, da recusa em aceitar que um legado é como uma pomposa condecoração que se pendura na parede para acumular anos e pó.

Não foi preciso muito para que, escassos dias depois de João Aguardela ter partido para a sua última digressão, rumo ao céu ou o que estiver lá desse lado, várias pessoas terem informalmente começado a partilhar a ideia de que havia ainda muito a fazer. Havia que celebrar, homenagear e divulgar mais de 20 anos de trabalho do rapaz João Miguel Antunes Aguardela. Mas havia, sobretudo, que fazer algo para que esta música portuguesa que o movia continuasse a escrever-se e aventurar-se e recriar-se (em ambos os sentidos).

Presente, na génese da associação, esteve sempre a vontade de encarar o futuro. E, para fazê--lo, nada melhor que resolver o passado com uma celebração em grande, em festa, com amigos, admiradores, camaradas de ofício, melómanos anónimos, tudo quanto coubesse no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Foi o que aconteceu a 4 de Novembro de 2009, com actuações ao vivo dos Gaiteiros de Lisboa, Ó’Questrada, Dead Combo e A Naifa. E o que aí aconteceu foi também o nascimento público de uma empreitada maior e mais ambiciosa - os Prémios Megafone. Bem como o site www.aguardela.com, com tudo o que às actividades da associação diz respeito, mais a obra completa do Megafone para gozo popular gratuito e sem pecado.

Os Prémios Megafone foram, desde o embrião da ideia, encarados com os olhos com que João Aguardela via a música dita tradicional. São prémios que visam estimular a transformação, a mudança, a passagem de testemunho entre pessoas e gerações, o encontro do passado com as crescentes possibilidades do presente e do futuro, a nova música dita tradicional. Música Para Uma Nova Tradição, como se lê na assinatura da própria associação. E são, também como tanta dessa música, colaborativos, quase cooperativos, sem meios mais grandiosos do que a disponibilidade e a generosidade de um sem número de pessoas que acreditam na transmissão e na partilha.

Dividida entre Prémio Megafone Música e Prémio Megafone Missão, o primeiro para reconhecer e estimular quem faz nova música, o segundo para fazer o mesmo a quem potencia e acrescenta valor à nova música que se faz, os Prémios Megafone foram desenvolvidos em menos de um ano, chegando ao palco do Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém a 17 de Outubro de 2010. Aí foram anunciados, como finalistas do Prémio Megafone Música, os Galandum Galundaina, o Experimentar Na M’Incomoda e os Bandarra. Do lado do Prémio Megafone Missão, o realizador Tiago Pereira, o festival Bons Sons e a associação cultural D’Orfeu.

A primeira edição dos Prémios Megafone, a que o mágico projecto Foge Foge Bandido, de Manuel Cruz (ex-Ornatos Violeta), se associou com uma das suas raras apresentações ao vivo, coroou os Galandum Galundaina e Tiago Pereira. Os primeiros porque fazem viver tudo o que é mirandês para lá do seu espaço e do seu tempo. O segundo, porque coloca em imagens com personalidade única os sons desta espécie de rectângulo chamado Portugal (já depois de vencer o Prémio Megafone Missão, Tiago Pereira criou o projecto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, profícua recolha em video e divulgação online de músicos e colectivos que dão presente e futuro à música tradicional).

Apesar de dependente de todas as vidas de todas as pessoas que a integram e que para ela contribuem com graus raros de desinteressada entrega, a Associação Megafone 5 mantém intacto o propósito com que viu a luz pela primeira vez. E é por isso que, anuncie-se agora, os Prémios Megafone regressam em 2012, para distinguir e estimular quem partilha a visão de João Aguardela e a partir dela constrói peças que intervêm nas nossas vidas.

Por outras palavras, arte.

Pedro Gonçalves - Associação Megafone 5


Colaboradores:

Capa: Ana Nobre
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia
Ciência: PNF
Gatafunhos: Tomás Melo


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