sexta-feira, 29 de maio de 2009

Edição nº18



O que é ser Faialense?

Pergunto-me. Eu, Fausto, filho de picarotos nascido no Porto, infância e juventude vividas no Faial e que agora, passados alguns anos, regresso.

Ser algo é sê-lo dos pés à cabeça. Os pés caminham sobre um chão, e a cabeça sob os ideais que gerem o espírito humano – a sua cultura.
Ser faialense é, em primeiro lugar, habitar um pedaço de pedra que brotou violentamente do mar hà 800 mil anos e que durante 200 mil anos foi forjado pela força ardente do centro da Terra. Esta é a força primordial. E ela está hoje aqui, e quando quer, chega e altera tudo. Da pedra veio a terra, e da terra as plantas e os animais. Depois são 500 anos de povoamento pelo homem. São séculos de sangue do povo lusitano sobre o chão desta ilha. E este sangue está aqui nas veias e comportamentos dos homens e mulheres que a habitam.

À procura de casa. Tanto dinheiro me pedem por um sítio onde viver. Pergunto-me: como sobrevivem as famílas quando todos os bens são tão caros e o que recebem é tão pouco. A ganância descontrolada faz décadas que passou a gerir as relações sociais. Há sítios - aqui bem perto - em que ainda dizem: se fores honesto, um arranja-te umas batatas, o outro uns ovos ou um pão de milho e vivendo e dançando aqui connosco não irás morrer à fome. Mas está a desaparecer este espírito de vida e verdadeira bondade.

Esta é uma terra fértil onde nasce tudo o que se semeia. Era uma terra onde se cultivava tudo o que era preciso para comer muito e bem. Mas a ilha foi convertida em pasto para vacas e a comida industrial de má qualidade substituiu a produção local. Agora o Faial está a ser convertido em pasto para turistas imaginários.
A Horta – que nome tão significativo – uma cidade de sonho, verdadeiramente de sonho, mas que vai sendo lentamente invadida pelo betão até ao golpe mais rude que já a espera – o tal porto que já fez chorar os habitantes que nada fizeram da ilha Terceira e da ilha de São Miguel. Ilusões vendidas em prol do dinheiro perante um povo sem reacção que ainda vai acreditando na lenga-lenga do desenvolvimento e do turismo salvador. Quando ironicamente quem nos vem visitar quer escapar precisamente aos portos de betão e metal, procurando a avenida mais bonita do mundo com vista para a imponente montanha e a praia da Conceição para nadar e ver o Pico, e não o paquete que lhes polui a água. Quer fugir às centenas de parques eólicos do seu país, apenas para esbarrar com um em Pedro Miguel (e em breve, se nada fôr feito, mais um para o lado Norte). Quer fugir também ao barulho das máquinas de aspirar os passeios da cidade onde se despeja herbicida e lixo. Querem ver fontanários antigos com água de fonte, querem estar longe de fontes de radiação em massa como antenas de telemóveis e sistemas wireless (em Almoxarife encontramos um num parque infantil). Querem ver a Natureza em bruto, na sua beleza e riqueza em vez de centros de interpretação, centros de tédio informático e aquários virtuais. Eles não querem isto durante um mês e nós queremos durante todo o ano? Para sempre? Estes visitantes, a quem foi vendida uma imagem de harmonia natural, não irão voltar e os faialenses irão ficar com a sua bela cidade cada vez mais cinzenta, artificial e triste.

A nossa cultura é a nossa terra. Os nossos instrumentos, a nossa chuva que nos dá água, a nossa chamarrita que nos une em roda, o nosso pão, o nosso milho, os nossos chapéus de palha, as nossas rendas e bordados, as nossas almarras, a nossa calma, o nosso silêncio, os nossos animais, as nossas terras, a nossa amizade, a nossa cultura.
“O verbo «cólere», de que deriva «cultura», exprime a idéia de «amanhar, cuidar, revolver» a terra, fertilizando-a e semeando a boa semente para que produza mais e melhor. Reporta-se pois, originariamente, ao trabalho agrícola, compreendendo tanto o cultivo do solo, quanto o cultivo dos vegetais no solo. Com o correr do tempo, o verbo «cólere», veio adquirindo outros sentidos. Às vezes significa «habitar», como a dizer que aquele que trata a terra é o que nela habita. O homem, utilizando-se dos recursos das florestas, constrói sua moradia para nela habitar. Outras vezes significa «venerar e honrar» os deuses e os amigos, equivale dizer, cultivar e dispensar especiais cuidados aos deuses para que sejam propícios no cultivo da terra; e aos amigos, os companheiros no mesmo labor. Mais tarde, sobretudo em Cícero, recebeu o sentido figurado do «trato e aprimoramento do espírito». Neste caso, o verbo «cólere» vinha sempre acompanhado do termo «animus»: cultura animi. O homem que cultiva a natureza, cultiva também a sua própria natureza. Era assim sinónimo de educação, no sentido de aprimoramento do espírito. ”

Viver no Faial e ser faialense ainda pode ser um sonho. Ou seja, a realidade de uma vida de alegria, de bem-estar, de força, de verde e de mar num pequeno paraíso da Terra.


Fausto Cardoso


Colaboradores:

Ilustração: Maria Inês Cunha
Crónica: Fausto Cardoso
Chegadas: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Teatro: Grupo de Teatro "Mensagem"
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Pedro Mota
Literatura: Ilídia Quadrado e Rita Braga
Ambiente: Dina Dowling


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